quinta-feira, 6 de março de 2008

Segundo dia de caminho & vida. Como sempre, acordei atrasada. Tempo apenas para colocar a malha de ginástica e um tênis confortável na sacola. O que seria pela manhã foi adiado para a hora do almoço. Saí às doze. Devidamente vestida e calçada para os pezinhos não correrem riscos. Pronta para registrar todas as sensações e olhar com olhos de ver todas as situações.
Não tive a primeira visão. Fui a primeira visão. Uma malha de ginástica é realmente um tanto indiscreta e havia me esquecido que ali eu era a chefe vestida cotidianamente de executiva. Tentei ignorar os olhares pouco sutis, mas juro que gostei do que vi neles ao descer a longa escadaria. Saí para a rua como gaivota preparando-se para levantar vôo.
O primeiro personagem do dia: o vendedor de sorvete. De idade indefinida e um defeito físico que o deixava pequenino e tortinho. A voz potente quase estourou meus ouvidos. Deu-me bom dia sem que os olhos subissem além da minha cintura. Olhei mais adiante. Um velho e um cachorro andavam pachorrentamente no acostamento da rodovia. À frente dele, um catador de papéis. Se eu estivesse à frente do seu carrinho, não o veria. Fiquei me perguntando como aquela montanha de papelão permitia que ele visse por onde andava. Resolvi mudar o foco da minha visão. As gentes mexem muito com meu imaginário.
Foi quando descobri que estava passando por velhas e frondosas árvores. Parecia que eu nunca tinha visto o quanto eram grandes. Aliás, nem sei se tinha percebido a existência delas. Não sou muito dada a contemplar a natureza. Gosto, mas sem arroubos. E, confesso, não tenho um senso ecológico muito desenvolvido. Cuido bem das minhas plantinhas, economizo água e energia e já plantei várias árvores. Menos por amor e mais pelo sentido da obrigação de educadora. Então, aquelas árvores me pareceram majestosas. Passei a imaginar aquele lugar sem árvores. Redescobri meu horror a desertos. Eu não as via, é verdade. Mas se elas ali não estivessem meu mundo não seria o mesmo.
Fui tirada destas elucubrações por uma fala-mal-falada. Olhei. O caminhão de refrigerante estava logo à frente. Um dos ajudantes, com um engradado no ombro e outro na mão, me olhava com aquela cara safada com que os homens, que não precisam esconder a luxúria, olham uma mulher. Talvez eu devesse ficar ofendida. Talvez esta seja a reação normal de uma dona, pensei. Mas eu acho que não sou uma dona. Achei super divertido, sorri para ele e continuei andando. Mas aí a concentração da caminhada foi para o espaço. Continuei andando e sorrindo e andando e achando que a vida vale a pena ser vivida.

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